Logo na abertura, o presidente do STJ foi direto: é inaceitável o desconhecimento mútuo entre os sistemas jurídicos de Brasil e China. E basta olhar o que foi apresentado pra entender o que ele quis dizer. Enquanto a China estuda o nosso modelo, firma consórcios com universidades brasileiras, compartilha ferramentas de IA aplicadas à justiça e participa ativamente de discussões sobre meio ambiente e inovação regulatória, a gente ainda trata o tema como algo exótico ou distante.
Nos painéis, ficou nítido: a China está operando com outra lógica. No Judiciário, já são realidade sistemas automatizados de triagem, julgamentos simplificados por algoritmos e bancos de dados nacionais integrados. Eles não estão testando tecnologia. Estão escalando o que já funciona. Com método, escala e institucionalidade. O STJ, inclusive, apresentou suas próprias ferramentas, o Athos e o Logos, voltadas à organização de precedentes e apoio à formulação de teses. Não é mais uma conversa sobre “futuro do Direito”. É sobre o que já está em funcionamento.
Mas talvez o ponto mais provocador tenha vindo do campo ambiental. O conceito de ecocivilização apareceu com peso de norma, não de metáfora. Na China, ele orienta políticas públicas, fundamenta a legislação e estrutura a responsabilização de atores econômicos e estatais. Não é uma expressão bonita. É diretriz jurídica com impacto regulatório concreto. E pra quem trabalha com ESG, isso muda completamente a equação: não dá pra operar em dois países com níveis tão diferentes de ambição regulatória sem repensar estratégia jurídica e política de risco.
No digital, o movimento é igualmente assertivo. A Lei de Proteção de Informações Pessoais da China, a PIPL, impõe rastreabilidade algorítmica, transparência nas decisões automatizadas e regras específicas pra transferência internacional de dados. Não é uma cópia do GDPR. É outra lógica, com outras prioridades. E quem ainda usa só o modelo europeu como referência está operando com um cenário incompleto.
Enquanto isso, o Brasil ainda soma quase 84 milhões de processos. O ministro Barroso fez o contraste: a China, com mais de 1,4 bilhão de habitantes, tem cerca de 45 milhões. Não é sobre copiar modelo. É sobre reconhecer que há sistemas menos litigiosos, mais organizados e mais conectados entre governo, tecnologia e academia e entender que eles estão operando com outras lógicas. E que isso exige outro tipo de resposta do setor privado.
Pra fechar, o Consórcio Brasil-China de Faculdades de Direito, com universidades como PUC-SP e UFPB, deu o recado mais estratégico do evento: formação jurídica binacional, pesquisa aplicada e construção de infraestrutura intelectual em comum. Isso não é protocolo. É posicionamento de longo prazo. E quem entende isso agora, se antecipa quando o mercado ainda estiver reagindo.
Para escritórios que atuam com ESG, arbitragem, compliance de dados ou qualquer tema que cruze fronteiras regulatórias, isso não é pauta acadêmica. É estratégia. E ignorar o protagonismo jurídico da China em áreas como IA e meio ambiente é seguir operando com visão de túnel. Entender o que está se desenhando agora é o que vai separar quem presta serviço jurídico, e quem lidera conversa de futuro.

